Clodovil (1937-2009) |
Conhecia e era conhecido por todo o mundo. Era um tipo que todos gostavam, inclusive as famílias, pois, embora se comportasse femininamente, agia sempre com todo o respeito. Serviçal, era cavalheiro com as damas. Toda Pelotas o saudava, e não tinha inimigos. Quase todos o respeitavam, também, apesar de sua presença diferenciada. Mas no conjunto era um tipo engraçado.
Seu nome tornou-se um sinônimo... Um adjetivo... Foi anfitrião de famoso cantor popular de sucesso nacional ainda hoje, e que era seu amigo, lá na velha casa dele, para os lados da Rafael Pinto Bandeira, onde alugava quartos, precedendo aos motéis.
Sou sabedor de duas passagens do Miloca, memoráveis. A primeira ocorreu às vésperas de uma Sexta-Feira Santa. Eu me encontrava no Mercado Público, na peixaria, à procura de camarões. Havia muitas pessoas. Entre elas, com um balaio, apareceu o Miloca. Um grupo de rapazes começou a debicar do nosso personagem. Pronunciavam alto e com voz efeminada: “Miloca, Miloquinha”, e outros gracejos nitidamente dirigidos a ele. Todos riam comedidamente. Ele firme, como se não estivesse ouvindo nada.
Como as piadinhas continuassem, ele voltou-se para o grupo e disse em alto e bom som:
— O quê, querem mexer comigo? Lembrem-se que vocês muito treinaram aqui neste campinho!
E batia com a mão direita sobre a região glútea. Acabou a gozação. A turma se afastou depressa, todo mundo tapando o rosto com a mão, para não ser reconhecido. E Miloca continuou sua compra de pescado com a naturalidade de sempre.
A outra, foi dileto amigo que me contou. Disse-me ele que advogado já falecido, muito conhecido nas lides forenses da época, lhe contara, pois assistira o fato! Miloca não ligava muito para certas situações sociais. Só as básicas. Em certa ocasião, no foro velho, Miloca era testemunha numa briga de vizinhos. Ele não compreendia que aquele ambiente era austero, e exigia certa postura sóbria. Não diferenciava as situações. Para ele, estar num bar ou no foro, dava tudo na mesma.
Sentado, enquanto aguardava ser chamado para depor, datilógrafo à sua frente, ele se mexia na cadeira, cumprimentando servidores de cafezinhos, com sorrisos, enquanto estes faziam que não era com eles. Depois, já abanava para pessoas que conhecia, entre funcionários e outros, tal sua popularidade. Estava inquieto, mas autêntico, como sempre. O jovem Juiz que presidia a sessão pigarreava a todo momento, como a chamar-lhe a atenção para que se comedisse.
Emiliano Queiroz fez a Geni em 1978, na primeira montagem da Ópera do Malandro. |
— Onde mora?
Pra quê... Contou o advogado que narrou esse episódio a meu amigo, que ante a pergunta do magistrado, Miloca se remexeu na cadeira, e sorrindo bradou, enquanto olhava para os circunstantes:
— Ele vai lá em casa toda semana, e agora pergunta onde é que eu moro!
E meneando a cabeça num ar de orgulho feminino ferido, completou:
— Onde já se viu uma coisa destas?
O novel Juiz suspendeu logo a sessão, enquanto todos seguravam o riso com grande dificuldade.
Esse foi o popular Miloca, que embora já tenha desaparecido há alguns anos, seu nome, como que um tributo a alguém que o mereça, ainda é lembrado quando alguém - por galhofa - recorda aquela personagem que, creio, “será imortal enquanto dure”, parafraseando Vinícius.
Rubens Amador
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