sábado, 27 de abril de 2013

A última missa de Dom Joaquim

Dom Joaquim tem monumento
na avenida que leva seu nome.
Era junho de 1940 quando D. Joaquim Ferreira de Melo, segundo bispo da Diocese de Pelotas, presidindo a missa na Igreja do Sagrado Coração de Jesus (Matriz do porto) sofreu um mal súbito e desmaiou, no início da Liturgia Eucarística. Levado ao hospital, faleceria três meses depois, aos 67 anos.

O Irmão Francisco Maria, lassalista alemão residente em Pelotas, testemunhou o fato e redigiu uma crônica relacionando os momentos da liturgia católica com a vida do bispo. Esse irmão era o padre Carlos Johannes, então com 27 anos. Seu centenário foi lembrado em Pelotas (v. Padre Carlos, cem anos de vida).

Aquela crônica de 1940 foi publicada em "Polianteia", antologia de elogios fúnebres de D. Joaquim. O professor Jonas Klug Silveira enviou o texto a este blogue, a modo de homenagem ao Padre Carlos. Conforme as pesquisas do professor, a crônica também se encontra na biografia de D. Joaquim escrita por Monsenhor Francisco Silvano de Souza (imprimatur de D. Benedito Zorzi, década de 1950). A grafia foi atualizada.


Chegamos ao Ofertório. O querido Bispo empalidece, sua respiração torna-se ofegante. Tomando da Hóstia branca e imaculada eleva-a aos céus, suplicando:
— Recebei, Pai Santo, Deus onipotente e eterno, esta Hóstia imaculada que eu, vosso indigno servo, Vos ofereço, Deus meu, vivo e verdadeiro, por meus inumeráveis pecados, ofensas e negligências; por todos os presentes e por todos os fiéis cristãos vivos e defuntos, a fim de que a mim e a eles aproveite esse sacrifício para a salvação e para a vida eterna. Amém.
Com face lívida, mãos trêmulas, mas com voz clara e inteligível,  benze o Bispo a água misturada com o vinho  simbolizando assim a união dos fieis com Cristo  e reza:
— Ó Deus, que maravilhosamente criastes a dignidade da natureza humana, e mais prodigiosamente a remistes, concedei-nos pelo mistério desta água e deste vinho, que participemos da divindade d’Aquele que se dignou revestir-se da nossa humanidade, Jesus Cristo, vosso filho e Nosso Senhor. Amém.
As forças parece quererem abandonar o venerando Celebrante. Hesita um instante... e depois, violentando-se a si mesmo, continua, erguendo também o Cálice para o céu:
— Senhor, nós Vos oferecemos esse Cálice da salvação, suplicando a Vossa clemência, para que suba com suave odor à presença da Vossa divina Majestade, para salvação nossa e de todo o mundo. Amém.
O Altíssimo olha complacente para o sacrifício de D. Joaquim. Mas já não se contenta com a oferta da Hóstia e do Cálice: quer mais. Quer o próprio sacrificador: seu corpo, sua alma, seu sangue, sua vida... Ele há de ser a vítima que será imolada em “propiciação pelos nossos pecados”.

O sacrifício é duro... mas a vítima está preparada e contente. D. Joaquim diz generosamente a palavra mais sublime que os lábios humanos possam proferir: Sim! Fiat!

No mesmo instante um suor gélido inunda-lhe a face venerável. Enfraquece de mais a mais. Já não pode continuar a celebração dos santos Mistérios, mas...cambaleia... desfalece.

A vítima está imolada.

O próprio Jesus completou a Missa que seu Servo e Ministro iniciara na Matriz do Sagrado Coração. O Ofertório foi comprido: três longos meses passou D. Joaquim entregue às mais cruciantes dores, na Santa Casa.

Às 11 horas e 2 minutos do dia 22 de setembro anunciava o dobrar lento e lúgubre do grande sino da Catedral, que chegara o momento da Consagração: A alma do santo Bispo voara para os tabernáculos eternos.

E a Comunhão há de durar eternamente. Na sua ação de graças, D. Joaquim não se esquecerá de nós que tanto lhe queríamos e a quem ele tanto amava, que não hesitou em sacrificar tudo, até a própria vida, constituindo-se deste modo “vítima dos nossos pecados”.

Irmão Francisco Maria 
(Pe. Carlos Johannes)
Lembrança da missa de 30º dia rezada em 22-10-40 pela alma de Dom Joaquim Ferreira de Melo

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