A seguinte crônica, tomada de sua página no Facebook, se refere a um livro que marcou a infância do autor, "Seleta em Prosa e Verso", que o professor gaúcho Clemente Pinto organizou, em 1883, com trechos selecionados, e que educou gerações de brasileiros ao longo do século XX. A seguir, confira um desses trechos, escolhido por Manoel: "O apólogo das árvores", compilado pela "Seleta" de um dos sermões do Padre Antônio Vieira.
A Seleta apareceu em 1883. Em 2001 saiu a 59ª edição (leia trechos). |
Quando ganhei de presente História das Invenções, de Monteiro Lobato, deixei a Seleta numa espécie de nicho, aos pés de minha cama. De quando em quando eu a ele retornava, relendo as partes que mais me interessavam – que eram muitas, aliás. A obra de Monteiro Lobato me interessou muito, pois relatava a experiência dos mais fantásticos inventos.
O livro de Alfredo Clemente, todavia, era para mim o primeiro amor literário. E os primeiros amores, sejam eles quais forem, não são esquecidos jamais.
Lembro-me das noites de inverno, quando sob a luz dançante do lampião, ouvindo o vento confessando-se às árvores, eu ia lendo em voz alta as passagens mais interessantes. Tudo em volta silenciava para ouvir as narrativas.
Ainda hoje, embora tenha à disposição boa e eclética biblioteca, sou impulsionado a pegar a Seleta e correr os olhos pelos textos, acarinhando as páginas, a capa, a lombada... Sinto-me como se viajasse no tempo, voltando aos primeiros anos, retornando à época das ilusões, das construções das utopias, da engenharia dos mais improváveis sonhos... E tudo parece realizável, pois o retorno à meninice talvez seja a melhor maneira de acarinhar a abandonada mônada – o nosso verdadeiro ser.
Costumo dizer, para o espanto de muitos amigos, que a felicidade para mim tem cheiro... Cheiro de livro, de livro velho... Quanto mais velho, melhor. Não preciso dizer-lhes, após esta confissão, que o paraíso é tangível, sim... Bem terreno, ao alcance de nossas mãos.
Quando entro num sebo e pego determinado livro, levo-o, incontinenti, ao nariz. Quando dou sorte, o cheiro que o volume exala me conduz ao passado... Vejo-me outra vez sob a chama do lampião lendo o velho e carcomido volume da Seleta em Prosa e Verso. Respiro fundo e me sinto absolutamente vivo. E feliz!
Manoel Soares Magalhães
Facebook, 31-12-14
Facebook, 31-12-14
O apólogo das árvores
da Seleta em Prosa e Verso
O primeiro apologo que se escreveu no mundo (que é fábula com significação verdadeira) foi aquelle que se refere a Sagrada Escriptura no capitulo 9 de Juizes.
Quizeram, diz, as arvores fazer um rei que as governasse, e foram offerecer o governo à oliveira, a qual se escusou, dizendo que não queria deixar o seu óleo, com que se ungem os homens e alumian os deuses. Ouvida a escusa, foram à figueira, e também a figueira não quis acceitar, dizendo que os seus figos eram muito doces e que não queria deixar a sua doçura. Em terceiro lugar, foram à vide, a qual disse que as suas uvas, comidas, eram o sabor e, bebidas, a alegria do mundo; e a quem tinha tão rico patrimonio não lhe convinha deixa-lo para se metter em governos [versículos 8-13].
De sorte que assim andava o governo universal das arvores, como de porta em porta, sem haver quem o quizesse. Mas o [que] eu noto nestas escusas é que todas convieram em uma só razão, e a mesma, que era não querer cada uma deixar os seus fructos. E houve alguem que dissesse ou propuzesse tal cousa a estas arvores? Houve alguem que dissesse à oliveira que havia de deixar as suas azeitonas, nem à figueira os seus figos, nem à vide as suas uvas? Ninguem. Somente lhes disseram e propuzeram que quizessem acceitar o governo.
Pois, si isso foi só o que lhes disseram e offereceram, e ninguém lhes falou em haverem de deixar os seus fructos, por que se excusam todas com os não quererem deixar? Porque entenderam, sem terem entendimento, que quem acceita o governo dos outros só há de tratar delles e não de si; e que, si não deixa totalmente o interesse, a conveniência, a utilidade e qualquer outro gênero de bem particular e próprio, não póde tratar do commum.
Autor: Pe. Antônio Vieira (1608-1697)
do Sermão da Vigésima Segunda (v. parágrafo VI)
do Sermão da Vigésima Segunda (v. parágrafo VI)
7 comentários:
Caro Manoel: infelizmente para alguns que frequentavam teu Blog, encerras. Perde Pelotas e região. Fiz o mesmo com as Jornadas Culturais. O Norte do Estado, valoriza o esforço e o trabalho em ler, comprar livros, analisá-los, prestigiar autores relevantes. Aqui, aprecia-se shows, que exigem apenas o comparecimento, sem esforço sequer de ler uma linha. Essa é a diferença principal, a qual resulta num PIB muito superior. Sugiro ao editor deste blog, adequar nosso blog apresentando ao leitor, aqueles quadros de reflexão que Manoel apresentava em seu blog. Uma grande sacada!
Certamente entrarei madrugadas procurando literatura e arte na internet. Grande abraço, hoje será um dia de grande reflexão para mim. Prof.ª Loiva Hartmann
Já é costume deste blogue resgatar as contribuições culturais de Manoel. Na coluna da direita temos vários links sobre Pelotas, entre os quais o blogue dele.
Mas, agora que o Cultive Ler ficou em modo pausa, maior razão temos para recordar suas postagens. Vamos preferir as que tenham maior relação com Pelotas, pois o motivo de nosso blogue é mostrar o que nós temos e somos, a história e a cultura de Pelotas.
Para pesquisar sobre arte e cultura em geral, vão sugestões:
Ópera Mundi:
operamundi.uol.com.br/
Estadão Cultura e suas seções:
cultura.estadao.com.br/
Observatório da Imprensa
www.observatoriodaimprensa.com.br/
Caro Vidal, renovo meu agradecimento pela lembrança. Um agradecimento também à professora Loiva Hartmann, cujas palavras me sensibilizaram muito. Quanto ao blog, por enquanto será mantido como está, no modo pausa. Quem sabe um dia desses ele retorna. Abraços aos amigos.
O comentário acima é de minha autoria. Por um lapso saiu sem assinatura. Ei-la!
O amigo Jonas Klug da Silveira escreveu no Facebook o seguinte comentário sobre o link:
Também, para minha felicidade, fui "educado" pela Seleta. Sei de cor A Cigarra e a Formiga, A Raposa e as Uvas e O Leão e a Raposa. Não obstante ela poder ser objeto de críticas pelo conteúdo ideológico de certos textos, como O Rei e o Sapateiro, onde a pobreza é retratada como objeto da vontade divina, é uma obra preciosa. Monteiro Lobato também foi minha segunda influência, li toda a obra infantil, graças aos gloriosos tempos da seção infantil da Biblioteca Pública, com suas venerandas funcionárias, D. Celina e D. Ofélia.
www.facebook.com/francisco.a.vidal.3/posts/10205896980885337
O escritos do Manoel são primorosos. Obrigado por postar Vidal.
Alexandre Vergara
Vêm aí mais postagens saborosas do Manoel e outros poetas locais.
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