Ana Cecília Romeu Rodrigues, publicitária e escritora gaúcha, morou em Pelotas e dedica à cidade de sua infância esta crônica alusiva aos doces e ao sentido da vida a dois. Apareceu primeiro em 2011 no seu blogue Humor em Conto e em junho de 2012, por alusão à FENADOCE, no Diário Popular.
Passei toda minha primeira infância na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, terra de doces maravilhosos, com receitas de origem açoriana em sua maioria. Sempre que me lembro dessa época, me vem à memória o sabor desses doces, que não encontrei nem nos famosos austríacos.
Mais tarde, me peguei em alguns momentos questionando sobre o que acontecia com a parte do ovo que não era aproveitada para fazer os tão deliciosos quindins. Feitos de gema, todos amarelinhos e suculentos. Mas, e a clara, onde ficava? Cheguei à conclusão do óbvio: faziam merengues, delícia composta de clara.
Refleti a partir daí sobre relacionamentos de uma forma geral. Pensei que, quando temos algum tipo de parceria emocional com quem quer que seja, é como se cada um fizesse um tipo de doce. Um faz o quindim; o outro, merengue. Os dois aproveitam do mesmo ovo e complementam a sobremesa.
Mas em que momento duas pessoas passam a ignorar a receita óbvia dos doces e não querer mais essa parceria tão proveitosa matematicamente? O que faz com que duas pessoas não queiram mais dividir seus quindins ou seus merengues com o outro, não se completarem, nem quererem provar a culinária alheia?
Tive algumas experiências desastrosas. Amizades que se foram por causa de um detalhe ínfimo. Na verdade, é como se eu fizesse os quindins e a outra pessoa resolvesse fazê-los também ou vice-versa. Ainda houve a resistência em trocar para os merengues. Sobraram muitas claras de ovo e ninguém para fazê-los.
Orgulho, falta de companheirismo, traição, incompreensão... Tudo pode acabar com a parceria de doces e, às vezes, é por puro detalhe. Mas seria amizade verdadeira? Não resistiu a uma parceria tão lógica?
Por outro lado, vemos amizades que nunca terminam, como tenho com uma amiga que mora no Uruguai, coisa de mais de 30 anos. Uma briguinha aqui e ali, mas o tempo não apagou quase nada e modificou muito pouco.
Há também casamentos indissolúveis ou aquelas pessoas que nutrimos maior respeito e sabemos que é recíproco, mas muitas vezes nem as conhecemos direito. Mas nesses momentos, sim, a parceria quindim-merengue está sendo construída.
Como diz um provérbio romano: "Se for roseira, florescerá". Se for para dar certo, a parceria dará, se for para não dar... No que completo: quindim só combina com merengue. E merengue, só combina com quindim.
Fotos: A. C. Romeu
Um comentário:
Francisco,
agradeço a publicação de minha crônica.
Grande abraço e ótimos dias para ti!
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