VIII Remoendo lembranças
Bastava chegar a composição, identificar o vagão em que viajara naquela tarde, cedo, e procurar aquela maldita mensagem. Divagava.
Sentado num dos muitos bancos dispostos na plataforma, reviveu cada cena que vivera em Paris em relação ao bilhete perdido.
Não podia esquecer, por exemplo, a expressão extremamente simpática daquela francesinha que trocara olhares e sorrisos com ele, naquele café parisiense. Depois reviu o garçon entregando-lhe o perfumado bilhete. O seu olhar malicioso quando pediu-lhe que o traduzisse, através de mímica. E a sua imediata reação colérica enxotando-o do café, sem sequer deixá-lo pagar a despesa, quando se inteirara dos dizeres do texto.
E o que pensar da expressão bondosa e compreensiva do maitre do H otel Lafayette que, igualmente malicioso, logo se prontificou a dizer-lhe o que continha aquela folha de papel manuscrita no idioma francês?
E logo revisou, em pensamentos, o homem completamente mudado em atitudes, a fazer com que se retirasse do hotel. Na mesma hora.
Finalmente repassou a cena de seu Chefe, em Paris, naquele imenso escritório cercado por enormes vidros e para quem contara, com detalhes, tudo que lhe acontecera de estranho em relação à comunicação recebida de parta da linda moça. De novo sentiu compreensão e boa vontade na fisionomia do homem, para logo transformar-se, e praticamente correr-lhe do escritório; ordenar-lhe que retornasse ao Brasil; ameaçar-lhe com demissão sumária; tudo por causa daquele quadrilátero de papel manuscrito que a moça lhe enviara e que agora buscava com tanta ansiedade.
A rigor, nas últimas semanas, desde que retornara da Europa, só pensava no ocorrido, como uma obsessão.
Afinal, Deus, o que dizia aquela mensagem de tão perigoso, ou que segredos maus continha, que todos ficavam ensandecidos ao tomarem conhecimento de seu conteúdo?
Por quê? Se indagava, repetidamente...
Finalmente, rompendo o silêncio da noite quente, ouviu-se uma sirene e um toque de sino a bater freneticamente.
Um dos funcionários da limpeza acercou-se do banco onde estava sentado e lhe dirigiu a palavra:
— O 888 vem chegando, nesta composição — apontando em direção ao veículo que se aproximava em marcha cada vez mais vagarosa, sob a sinalização, por bandeiras, de um guarda-freios.
Ele levantou-se e olhou o relógio. Eram exatamente 1,30 da madrugada. Em pensamentos fez blague: “Pelo menos hoje este trem está no horário”.
Continua amanhã (v. parte IX).
Exposição Universal em 1900;
aniversário da Torre Eiffel, 1939
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