sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O Bilhete (X)



X  A agulha no palheiro

Haviam-se passado mais de quarenta dias desde que dera por encerrada a questão. Praticamente já se havia esquecido do episódio da perda do maldito bilhete, pelo menos o seu continuado pensar compulsivo no tema tinha arrefecido.

Foi naqueles dias que Madame Marie recebeu em sua casa a contestação da missiva que escrevera para o maitre do Hotel Lafayette, em Paris, e cuja resposta veio nas seguintes circunstâncias.

Subscrita para Madame Marie Darrieux, chegou uma correspondência em bonito envelope, onde se via uma litografia colorida do Hotel, à esquerda, em cima, e trazendo em seu interior a carta que enviara, devidamente fechada, sem ter sido aberta por seu destinatário.

Além da carta intocada, o envelope trazia uma nota breve da Direção do Hotel Lafayette, com os seguintes dizeres:

Mademoiselle Darrieux:
Anexo estamos lhe devolvendo sua carta, dirigida a nosso ex-maitre, Sr. Giuseppe Divani. Cumpre-nos informar-lhe, com tristeza, que o referido senhor faleceu recentemente, de mal súbito, precisamente em 6 de junho corrente.
Informamos-lhe ainda ser de nosso conhecimento que seus familiares residem na Vila Lucchino, 433, em Roma, Itália.
Sendo o que nos cabia informar, com admiração e respeito, nos firmamos
Cordialmente
Jean Jacques Du Bois
Diretor

A sequência de frustrações tinha sido tão acachapante desde aquela troca de olhares com a moça no café, em Paris, e cujo ápice fora atingido com a notícia da morte do maitre, que resolvera sepultar para sempre aquela aventura.

“Para todo o sempre... Jamais se pode dizer isto”, recordou, olhando para a correspondência que acabara de receber do carteiro da zona, no momento exato em que chegava em casa, do trabalho.

Abrindo-a constatou com emocionada euforia que o quase esquecido bilhete, malsinado bilhete, lhe chegara às mãos, afinal!

Alguém o tinha achado no trem e o guardara “com a intenção de enviá-lo a seu dono, como era pedido no verso”, dizia a cartinha recém recebida.

Junto à devolução o remetente anônimo escrevera algumas linhas, onde pedia desculpas por ter demorado tanto em enviar-lhe “aquela carta de amor”, segundo julgava ser, já que confessava desconhecer, também, o idioma francês.

Nosso herói jamais acreditara recebê-la de volta por aquele meio, mas ali estava o papel, um pouco amassado, mas inteiro e perfeito, considerando-se a saga que percorrera.

Ele o segurava com as duas mãos, emocionado.

Correu os olhos, agitado, por sobre o bilhete. Lá estavam todas as palavras; a data; a assinatura, tudo!

E pensou com gratidão no missivista que anonimamente lhe remetera a tão buscada carta até algumas semanas atrás.

“Aqui está ela, afinal”, gritou de alegria, brandindo-a no ar. “Finalmente vou saber o que contém de tão terrível ou execrável esta carta-bilhete”.

As ideias lhe vinham aos borbotões sobre o conteúdo da descoberta daquela verdadeira “agulha no palheiro”.

Continua amanhã (v. parte XI).

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