Quadros de Cristina Moreira

Cristina Alves de Souza Moreira é dessas pintoras que descobriu a vocação artística mais tarde, depois de formada na área intelectual e trabalhando numa terceira, que dava mais dinheiro. Cada fase existencial traz seus resultados e seus prazeres, e os da segunda metade da vida podem ser mais doces e estáveis.

Conheci o trabalho de Cristina em 2005, quando apresentou na Galeria da UCPel vinte obras recentes; sua primeira exposição fora em 2004, no Banrisul. Pós-graduada em História, começou na pintura em 2003 como autodidata, com ofício e sensibilidade. Pelo resultado visto, sabemos que previamente houve estudo e orientações de um professor. O que inicialmente era um hobbie ocupou um maior espaço emocional, como forma de expressão e até como um caminho de pacificação interior.

Desde o início, suas obras têm conteúdos naturais, com predominância de paisagens e flores. A natureza nos convida, em certas situações expressadas por Cristina, a um repouso da alma, a um retiro da agitação do mundo, longe até dos nossos próprios pensamentos.

Nas flores se aprecia um estilo sonhador e delicado. A preferência por flores ornamentais, sem perfume, nos fala de um temperamento gracioso e ingênuo, com tendência à racionalidade. Junto a cada flor plenamente desabrochada estão sempre os botões, simbolizando que a experiência da maturidade se acompanha sempre por elementos de juventude espiritual.

Os interesses místicos irão expressar-se de modo indireto - nas luminosidades que parecem mover-se pelas telas, ou em símbolos como casas e montanhas, que esperam por interpretações ou permanecem ante nós, simplesmente, com sua beleza ou imponência. São formas indiretas de falar do espírito, essa essência indefinível que anima os seres humanos.

Outro modo de comunicar mensagens interiores é pelo olhar ou pela postura de um cavalo. Neste animal, que representa ao mesmo tempo energia e majestade, confluem as duas motivações da pintora: naturalismo e interioridade. O que um animal pode transmitir com os olhos? Não muito. Mas é por uma pintura de um ser não humano que se expressa o que o pintor não quis pôr numa pessoa.

Até fins de abril, Cristina Moreira está expondo 19 telas no Espaço Molière (Santa Cruz 2252). O espaço cultural, aberto dia e noite, inclui a locadora Arte&Vídeo, um restaurante e a galeria de exposições. Encontram-se aqui obras da autora entre 2004 e 2007, que fui fotografar anteontem (10).

Uma das mais recentes é a "Espanhola" (acima), primeira aproximação à figura humana, ainda não frontal, mas claramente feminina e adulta, rodeada de brilho e coroada com a cor da paixão. Os traços são menos nítidos que em outros quadros, mas definem o objeto perfeitamente, faltando somente a liberação do movimento, a solução das dúvidas.

O pontilhão ladrilhado (esq.) é protagonista autônomo, sem apoios nem contenções, a natureza em segundo plano. A água corrente, outro símbolo de vida, evoca ruídos e movimento livre e intenso; conduz a uma luz poderosa mas distante e fria (repare nos reflexos amarelos em primeiro plano).

As casas em paisagem azulada (dir.) são chamativas, tanto pela duplicidade inexplicável como pela coloração sugerindo noite ou melancolia. As duas se têm, mas não se bastam; precisam de algo mais. É sempre uma expressão original do mundo psíquico, interpretável como se fosse um sonho.

A casa no bosque (abaixo) também faz pensar na vida, apesar da aparente ingenuidade. A "personagem" está iluminada; as árvores respeitam seu espaço. Dentro dela há calidez, paz e criatividade, apesar do ambiente ao fundo tão escuro. Logo, a luz da casa solitária provém, simbolicamente, do seu próprio interior. É a solução que buscavam as casas gêmeas anteriores.
Foto 1: Cristina Moreira.