SEIO BOM – SEIO MAU foi o título escolhido por Eduardo Devens para uma série de fotografias de conchas e caramujos, tomadas na praia do Cassino nos últimos dois anos.
O nome se inspira em dupla vertente: o simbolismo feminino das conchas e do mar, e os textos psicanalíticos de Melanie Klein sobre as vivências de amor e ódio nos primeiros anos de vida. Eduardo é médico epidemiologista, com especialização em psicoterapia psicanalítica, e fotógrafo amador.
As 22 obras foram apresentadas por primeira vez no anfiteatro da Sociedade Sigmund Freud, onde ficaram de 9 de junho a 14 de julho, e têm convite para serem expostas em Curitiba.
Devens (pronúncia francesa: devã) batizou as imagens com especial carinho, ingrediente principal de sua criatividade e de seu trabalho terapêutico. Elas se chamam como mulheres (Mirela, Gisele, Luiza, Julia, Monique) ou têm descrições sugestivas (Menina, Avó, Branca, Negra, Cabocla, Índia, Gordinha, Envergonhada). Outros nomes passam pela visão do profissional (Mastectomia, Câncer, Silicone). Daí que ouso dizer que Eduardo é também um médico "amador", pois ama o que faz e ama as pessoas que trata, como um artista ama sua obra.
Ivana Nicola Lopes, Doutora em História da Arte, escreveu a seguinte análise deste trabalho de Eduardo Devens.
"As fotografias de Eduardo Devens são impregnadas de realidade e fantasia. Formas sonoras, pois em seu ventre trazem o som do mar, elas nos provocam... O que dizem? Qual o seu som? Formas sensuais, arredondadas, pontiagudas, em relevo, todas em seu habitat: o mar azul, o céu límpido, a areia molhada.
(...) Desde os primórdios de nossa civilização, em tempos atávicos, as deusas e suas imagens servem para pedir que tanto a terra e o mar dêem seus frutos quanto o próprio ventre da mulher permita o milagre da vida. A mulher dá ao mundo uma criança que precisa de alimento e ela própria o fornece. A terra juntamente com o mar e a areia criam as conchas que nascidas, lembram os seios femininos, com seus mamilos inchados para oferecê-los em um gesto de amor. É o seio-concha bom.
Algumas fotografias de Eduardo Devens com as conchas recortando o céu delicadamente azul, parecem mamilos pétreos apontando para o infinito. Mamilos duros e inchados, prontos para receber aquele que saiu de suas entranhas. Amor e dor se mesclam neste gesto. Será uma dor de concha?...
A forma concha também pode fazer alusão à posição fetal, enroscada em si, arredondada.
Outras imagens nos mostram conchas em estado de erosão, em ruínas, devido às intempéries naturais. O ar, o sal, a vida mesmo, as transformaram. Com estas mesmas imagens, o fotógrafo as intitula de mastectomizada. É a concha-dor. Pedaços que não voltam. Esta é, sem dúvida, o seio mau.
Ainda há o seio-concha envelhecido e desgastado pela ação do tempo e da gravidade. E aqui reside, além do tema conchas associado aos seios, um outro aspecto muito importante na obra de Eduardo e que subjaz com a mesma intensidade: o fator tempo. Caetano Veloso já o homenageava dizendo que ele é o senhor de todos os destinos. Não há como escapar da ação do tempo que a tudo e a todos afeta. O tempo nos aniquila, mas também enobrece, o tempo é o senhor dos destinos"...
Imagens: E. Devens
4 comentários:
"Outras imagens nos mostram conchas em estado de erosão, em ruínas, devido às intempéries naturais. O ar, o sal, a vida mesmo, as transformaram. Com estas mesmas imagens, o fotógrafo as intitula de mastectomizada. É a concha-dor. Pedaços que não voltam. Esta é, sem dúvida, o seio mau."
Aqui não se "misturam" os aspectos ético-psicológicos? Por que "mau" se essa "maldade" foi fruto das "intempéries naturais"?
De resto, excelente trabalho e ótima análise!
Os qualificativos de bom e mau não são do analista ou pesquisador, mas da criança que percebe as experiências, no primeiro ano de vida, como agradáveis ou dolorosas. Trata-se de um nome dado pela estudiosa (Melanie Klein), uma das poucas mulheres psicanalistas, a primeira que ousou contradizer Freud, para referir-se a essa percepção do bebê: mãe-boa, mãe-má. Os nomes certos seriam: prazer, dor (mesmos nomes que Freud daria). Não se trata, portanto, de maldade nem bondade reais.
Legal! Valeu a explicação! Até a próxima!
Eu sou a anônima do 1º comentário. Obrigada!
É interessante notar que da pesquisa da Melanie Klein sai uma visão sobre a maldade e a bondade humana, que não estava explícita em Freud.
O bebê sente prazer e o atribui a um "seio bom" (ele não percebe a mãe como um todo). Dor e desagrado são atribuídos a um "seio mau". Sem desenvolver ainda um sentido moral, essa sensação egocêntrica do bebê tem como "bom" o que lhe satisfaz e "mau" o que lhe frustra.
A mesma interpretação relativista poderá ampliar-se a toda a humanidade: bom é aquilo que nos faz bem e mau o que nos prejudica. Aí sim, generalizando os sentidos morais de bondade e maldade. Deus bom, diabo mau, homem bom, homem mau etc. Uma grande discussão filosófica derivada do prazer/sofrimento do bebê (que somos nós mesmos).
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