O pelotense Affonso Mazzara Bandeira faleceu ontem (5), aos 86 anos, em sua residência. Era o mais antigo dos sacerdotes formados no Seminário São Francisco de Paula (fundado em 1939, segundo nota da Diaconia Norte). O amigo pesquisador Jonas Klug escreveu hoje a seguinte nota em seu espaço do Facebook, incluindo link para o trecho de Ofertório do Requiem de Verdi (abaixo).
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No Santuário de N. S. de Guadalupe,
Distrito da Cascata |
Padre Bandeira era mais que um bom cristão, ou um bom sacerdote. Era um dos seres humanos mais íntegros que eu jamais conheci, para quem a verdade, a justiça e, sobretudo, a caridade estavam totalmente acima de quaisquer convenções ou legalidades. Um sacerdote que, por amor à sua fé e à sua vocação, lutou contra inúmeros desvios dentro da própria Igreja, passando, por isso, por duras provas, que enfrentou com bravura, perdoando seus ofensores.
Dono de uma inteligência privilegiada, direcionou-a em primeiro lugar para o estudo dos temas da religião, sendo reconhecido pela profundidade e erudição em qualquer ocasião em que devesse atuar como pregador ou orientador de consciências. Tive o imenso privilégio de desfrutar desse tesouro intelectual e espiritual em vários anos de convívio, além de seus conhecimentos musicais.
Era neto do patriarca da mais tradicional família de músicos de Pelotas, o maestro e compositor João Pinto Bandeira, e filho do também maestro José Duprat Pinto Bandeira, regente da antiga Orquestra Sinfônica Pelotense e maestro-de-capela do grupo orquestral que atuou na Catedral S. Francisco de Paula até meados dos anos 1950, juntamente com seu irmão Domingos, organista. No antigo Seminário Central N. Sra. da Conceição, em São Leopoldo, o Pe. Bandeira, como estudante, atuou como regente da banda e da orquestra.
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Pe. Bandeira no dia de seus 85 anos (14-1-11) |
Nas últimas duas visitas que lhe fiz, cerca de dois meses atrás, manifestei-lhe minha intenção de recolher suas memórias musicais, ao que ele acedeu, com a humildade de sempre, fazendo pouco de seus dotes. Conversamos por várias horas, e ele mostrou-me fotografias suas com as duas agrupações musicais do seminário, alguns documentos e uma bela foto de seus pais em Rosario, Argentina, aonde seu pai havia ido como violinista de uma companhia lírica italiana e conheceu D. Raquel, sua mãe, filha de imigrantes italianos. Atrapalhado com vários contratempos, não consegui mais voltar lá.
Fica na minha memória um acervo de informações sobre a história da igreja e da música em Pelotas que, certamente, ele não dividiu com mais ninguém da minha geração, registrado com o som de sua voz grave e pausada, seu linguajar impecável e sua expressão fisionômica de franqueza e amizade.
Requiem aeternam dona ei, Domine, et lux perpetua luceat ei. Requiescat in pace. Amen.
Jonas Klug
Fotos: J. Klug (1) e F. A. Vidal (2)
3 comentários:
Obrigado, Francisco, por compartilhar as minhas palavras. Fiquei profundamente abalado com a perda de um amigo e um mestre, para com quem eu terei sempre uma dívida moral impagável; mais sentido ainda por não ter podido vê-lo pela última vez. Somente me consola a esperança cristã de que o Pe. Bandeira foi chamado a desfrutar a recompensa merecida por sua vida de ser humano, cristão e sacerdote exemplar. Eu teria páginas e páginas a escrever sobre as memórias e confidências de sua longa vida sacerdotal que, não sei por que, ele me achou digno de compartilhar. Vai com ele grande parte de uma história de luzes e sombras da Arquidiocese de Pelotas, desde os tempos do santo Dom Joaquim, fundador do seminário S. Francisco de Paula, cuja primeira turma o Pe. bandeira integrou, e de grandes sacerdotes seus colaboradores, homens de uma têmpera que já não se forja mais. Desses ainda tive o privilégio de conhecer dois, os monsenhores Tomé Lunelli e Luiz Chierichetti, figuras que muito impressionaram a minha infância e adolescência. Mais uma vez, obrigado.
Jonas
Me parece que Padre Bandeira foi um dos diretores do Seminário, além de professor. Ele falava também de colegas mais velhos como o padre Malomar, sobre o qual tenho uma nota no blogue:
pelotascultural.blogspot.com.br/2009/04/padre-malomar-edelweiss-em-pelotas.html
Quando Dom Antônio quis retirar o Maestro José Bandeira da direção do coro da Catedral, nomeou seu filho, Affonso, que já era padre mas morava ainda com os pais. Ele não podia aceitar ocupar o posto de seu próprio pai, do qual passaria a ser superior na hierarquia. Assim, rejeitou a ordem do bispo, primeiro de seus atos tidos como rebeldes. Episódio contado por ele, que entendia ser a Igreja formada por espíritos livres, ainda que submissos à lei do Amor, e não cegamente obedientes a vontades humanas.
Seguiu como cantor, e um dos trechos mais difíceis, talvez dos seus preferidos, era o Exultet, pregão da vigília de Páscoa, no original em latim.
Existem outros vários elementos em torno desse episódios que tu citas, Francisco, entre causas e consequencias, que o Pe. Bandeira, a meu pedido, me esclareceu em detalhes nas nossas últimas conversas. D. Antonio foi um homem com um tino "empresarial" raro, que deixou, fundamentalmente, três obras importantes para a cidade: a reforma da catedral, o Instituto de Menores e a UCPel. Como pastor, entretanto, teve muitas falhas, das quais, como sempre fazia questão de frisar o Pe. Bandeira, arrependeu-se e pediu veementemente perdão, na velhice. Mons. Francisco Silvano de Souza, vigário-geral de D. Joaquim - que, numa expressão muito feliz do Pe. Bandeira, foi o cérebro das obras das quais D. Joaquim era o coração - ao escrever a biografia deste, no capítulo intitulado "Dom Joaquim e seus padres" aponta nas entrelinhas a série de conflitos que muitos sacerdotes, que tinham uma devoção filial ao bispo cearense, tiveram com seu sucessor. Sem o testemunho oral do Pe. Bandeira eu jamais poderia compreender determinados fatos, ali apenas esboçados. É interessante notar que Mons. Souza publicou o livro em Caxias do Sul, com o "imprimatur" do bispo local, D. Benedito Zorzi, ordenado por D. Joaquim e por ele nomeado primeiro reitor do seminário de Pelotas.
Abraços,
Jonas
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