quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O Bilhete (I)

O cronista Rubens Amador escreveu, em setembro de 1979, um conto longo que este blogue agora reedita, em forma de folhetim, em 12 capítulos diários. Na época, a imprensa escrita o publicou em 4 partes, com o título de "Histórias da Guerra".

A partir de hoje, cada postagem poderá ser lida a partir das 10h da manhã, a cada 24 horas. Não perca a leitura desta pequena novela de suspense, cheia de evocações reais dos anos da Segunda Guerra Mundial.


I  A bela e o papel

Os alemães ainda não tinham entrado em Paris, mas, como era de esperar em 1940, o ambiente era inteiramente belicoso na Cidade Luz. Foi exatamente num clima assim que um brasileiro de 36 anos, por incrível que pudesse parecer, desceu em Paris em viagem-prêmio de recreio.

Ele trabalhava no Rio de Janeiro numa firma subsidiária francesa, das muitas que por lá havia nos idos de quarenta, setor de seguros. Funcionário corretíssimo e exemplar, tivera – como prêmio por sua dedicação como diligente securitário – quinze dias em Paris, com tudo pago pela firma.

Embora os jornais falassem num iminente conflito generalizado na Europa, o nosso patrício aceitou a ímpar oportunidade de conhecer a capital europeia da cultura, com todas as suas maravilhas no campo do conhecimento humano e do lazer, embora conhecesse apenas algumas esporádicas palavras do idioma gaulês.

Já vamos encontrá-lo desembarcando em Orly, para logo após ser encaminhado ao Grande Hotel Lafayette, de categoria internacional. Depois de visitar a matriz de sua empregadora no Rio, e lá ser homenageado, ficou inteiramente livre para beber Paris, com todos os seus encantos.

Sentado à mesa, colocada ao ar livre, de um típico café da grande metrópole francesa, em determinado momento notou que, a pouca distância, se encontrava uma bela mulher, presumivelmente francesa, diafanamente bela apesar de não usar pintura nenhuma, levando com muito charme, na cabeça, uma daquelas boinas usadas sobre o lado, tão do agrado das parisienses.

Nosso personagem encarou-a discretamente, a princípio. Insistiu no olhar, no que passou a ser retribuído, até que ambos sorriam, francamente, um para o outro. Já pensando numa abordagem, o brasileiro notou que ela chamava o garçon.

Ao chegar este à mesa dela, após um curto diálogo, de cujas palavras sequer podia ouvir o som, dado o burburinho de vozes no ambiente, piorado pelo tráfego intenso, viu que o serviçal alcançava para a moça um bloco de notas e um lápis.

A bonita mulher lançou-lhe mais um olhar extremamente enigmático antes de se deter a escrever algo na folha de papel à sua frente.

Concluída a escrita, dobrou a folha, delicadamente, sem tirar os olhos de nosso herói, enquanto com a mão direita acenava ao garçon.

Chegado este à sua mesa, ela entregou-lhe a folha em que escrevera.

O brasileiro, que a tudo observava, vibrou quando o empregado do café veio em sua direção portando o bilhete... para entregar-lhe, não tinha dúvidas.

Assim que o recebeu, abriu-o imediatamente. Num relance viu que era escrito com uma letra miúda e delicada, mas em francês, idioma que não conhecia.

Continua amanhã (v. parte II). 
Imagens da web

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