O cronista Rubens Amador colabora com nossa série sobre os antigos cinemas, recordando a fase decadente do cine-teatro Coliseu (fim dos anos 30 e início dos 40).
Naquele tempo, chamava-se a um cinema que fosse de segunda ordem — por suas instalações para lá de simples, ou até mesmo improvisadas — de “poeira”!
O Cinema Coliseu ficava na então rua General Vitorino, hoje Anchieta, exatamente onde depois foi o ex-IAPI (hoje INSS), e por último a Secretaria Estadual da Saúde. Na sua pobreza, era simpático, mas não passava de um barracão de madeira e zinco; enorme e circular; e merecia mesmo o título de “poeira”. Foi o único que conheci nessa classificação.O preço da entrada era barato mesmo: 400 réis. Os bons cinemas da cidade cobravam 1 mil-réis em suas sessões. No Coliseu, o público era “selecionado” pelo valor da entrada, e por isto seus frequentadores eram pessoas de baixa renda. Simples e modestos.
Para a Pelotas daquela época, não era chic frequentar o Coliseu. Moleque filho de rico não entrava no velho cinema, porque isto contava muito socialmente. Ninguém, da minha turma, dizia em casa que ia ao Coliseu. E se referiam ao Coliseu com desprezo, de forma que a gente entrava se escondendo na hora de tirar a entrada. Mas nós, guris ou rapazotes (eu tinha meus 15/16 anos quando ele fechou), não estávamos nem aí; queríamos era assistir filmes condizentes com nossas economias.
Naquele barracão assisti bons filmes: “Scarface” (1932; à esq.), “A vida de Pasteur” (1935), a de “Juarez” (1939), todos com o inesquecível ator Paul Muni. No Coliseu assisti a primeira versão dos “Dez Mandamentos” (1923), de Cecil B. de Mille. Lá também vi “O Gladiador” (1932), com Joe E. Brown, o “boca larga.
Uma fita que me deslumbrou pela sua trucagem foi “Delírio de um Sábio” (Dr. Cyclops, 1940), com Albert Dekker (abaixo, à esq.) fazendo o papel de um cientista que reduzia o tamanho das pessoas a cerca de um palmo.
Em certa cena, ele adormeceu sobre os braços apoiados na mesa. As criaturas por ele reduzidas, aproveitando-se daquele cochilo, subiram na mesa com grande sacrifício e juntos jogaram os óculos do sábio no chão, partindo-os. Foi um terror para o médico, que nada enxergava. E a torcida maior no cinema foi quando ele quase pisava nas minúsculas pessoas, caminhando a esmo na sala, procurando pelos óculos, até que os reduzidos se escondessem atrás de uma vassoura.
À volta do cinema havia uns camarotes, tipo os de circo. Um dia anunciaram um espetáculo teatral. Apresentariam — diziam os programas — “A grande companhia teatral Iracema de Alencar”, com a peça “Os direitos são iguais”.
Descobri que quatro de nós, moleques, podíamos comprar um camarote, agora por 1600 réis, mas a gente ficava bem perto do palco e não precisava participar no “fervo” para entrar. Ao adquirir o camarote já se assegurava o lugar. Iracema (dir.) era uma excepcional artista que andava “voando baixo”. Os personagens da peça eram apenas dois. A partir dali fiquei gostando de teatro. Mais tarde, adulto, ainda vi com ternura, a grande Iracema de Alencar, velhinha, desempenhando papel de caricata na tela da Globo ("Salve-se quem puder").
Quanto ao velho Coliseu, para tristeza minha e de meus amigos, o “poeira” um belo dia simplesmente ruiu, numa madrugada de muita ventania. Caiu todo para um lado. Cansado. Ainda me lembro do velho barracão, vencido, no solo, para nunca mais se reerguer. Pela manhã, pois eu morava então na Anchieta quase esquina Tiradentes, fui lá vê-lo com grande tristeza.
Quando assisti o “Cinema Paradiso” incendiar na tela, num passado recente, chorei um pouco lembrando-me do Coliseu, onde morreu com ele parte da vida de muitos seres humanos que, como eu, buscavam nas imagens mágicas do Cinema um pouco de encantamento, em uma época de tantas limitações nas opções de lazer, de um tempo que já vai longe, muito longe, na sua celeridade implacável.
Imagens da web (2-7) e F. A. Vidal (1)Vídeo: trailer de "Delírio de um sábio" (Dr. Cyclops, 1940)
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