domingo, 31 de março de 2013

Paixão e pipoca no Cine Esmeralda (1954-1973)

As paredes do velho cinema seguem de pé há 60 anos, e seu salão ainda recebe variado público.

Minha paixão pelo cinema vem de longe, do tempo em que eu era ambulante. Sim, ambulante. Eu vendia pipoca e amendoim torrado na entrada do Cine Esmeralda, no bairro Areal. O prédio foi transformado, para variar, em supermercado e, depois, em igreja evangélica.

Apesar do nome, o cinema não brilhava como brilham as esmeraldas. A cintilação era reservada às histórias que se passavam na tela, às quais não tinha como resistir.
O cheiro de pipoca era parte do clima.
Cerca de uma hora antes da matiné eu já estava à entrada do cinema, com meu tabuleiro carregado de saquinhos de pipoca e amendoim, cheirosos ainda, pois recém haviam sido feitos. A gurizada aos poucos ia chegando para a tradicional troca de gibis, e, claro, para ficarem minutos intermináveis à frente dos cartazes, onde os astros se mostravam exageradamente.

Olha o amendoim, olha a pipoca!, eu cantava, atraindo a gurizada, que caçava níqueis nos fundos dos bolsos para comprar uma coisa ou outra. De quando em quando eu pegava um amendoim, pescava uma ou outra pipoca, certificando-me da qualidade do meu produto.

A gurizada ia chegando, uns a sós, outros acercados de suas namoradinhas, ou candidatas, peitos inflados, achando-se os próprios heróis que apareceriam na telona logo, logo. Achavam-se Gordon Scott na pele de Maciste, ou Steve Reeves no papel de Hércules. Tal desejo singrava o universo dos olhos, cujo brilho tinha o propósito de cegar as garotas. Não sabíamos se tal sortilégio ocorria, mas tentávamos.

O fisicoculturista virou herói da época.
Olha o amendoim, olha a pipoca! 

A cantilena ganhava o ar na tentativa de seduzir a molecada, voando como moscas tontas na frente do cinema, seduzidos pela magia que emanava do velho Esmeralda, frequentado também por legiões de pulgas. Não sabíamos se eram os romanos, os sanguinários mexicanos ou as temíveis Siphonaptera que faziam o maior estrago.
Meu desejo era de que o tabuleiro estivesse vazio quando a sessão começasse. Queria negociar, sim, mas minha intenção – tão grande quanto a de ganhar dinheiro – era poder sentar-me nas cadeiras duras do Esmeralda e abrir o mais que pudesse os olhos, deixando-me invadir pela magia do cinema.

A plateia, minutos antes de o espetáculo começar, era ruidosa. Do lado de fora eu a ouvia explodir, sobretudo o atrito dos pés da garotada no assoalho do cinema. Meu coração àquela hora explodia de angústia, pois sabia que estava prestes a fazer algo que jurara não fazer: abandonar o tabuleiro e correr em direção à plateia, unindo-me à horda de barulhentos moleques.

Não tinha jeito. Nem bem o filme começara eu disparava em direção à gerência do cinema e, cheio de afobação, entrava na pequena salinha e dizia ao gerente:

– Vou deixar meu tabuleiro aqui, seu Ernesto. O filme vai começar!

E corria para a sala escura, onde a gurizada, eletrificada, deixava vazar o mel do contentamento através dos olhos. O espetáculo havia começado. E seria muito bom se jamais terminasse.

Manoel Soares Magalhães

O Cine Esmeralda tinha 600 lugares, e tomou seu nome da Rua Esmeralda, hoje Conselheiro Silveira Martins. Ficava na Avenida Domingos de Almeida 880 (hoje, nº 2114), a meio caminho entre o Parque da Baronesa e o Instituto de Menores. Abriu em 1954 e fechou na década de 1970.
Acompanhe abaixo o filme completo "Os últimos dias de Pompeia" (1959), com Steve Reeves, legendado (1h37min), ou clique no título para ver Sua arma era o Colt (exibido no Brasil em 1968 como "Reze a Deus e cave sua sepultura"), com Robert Woods, dublado (1h20min). Ambas produções italianas em cores, provavelmente exibidas no Esmeralda.


Fotos da web (2, 3) e F. A. Vidal (1)
Texto: Cultive Ler

Um comentário:

Anônimo disse...

Manoel é um grande cronista. Seus textos são recheados de belas imagens. Um prazer ler. Dea