quarta-feira, 5 de março de 2014

Saudosismo dos anos 50

Hélio Freitag
Linha Direta é a coluna diária assinada pelo diretor e fundador do Diário da Manhã, Hélio Freitag, há 34 anos e meio, sempre na página 2. O costume do jornalista é fazer denúncias ou mandar recados a autoridades, mas na segunda-feira 24 de fevereiro de 2014, ele ficou saudosista e poético, lembrando alguns detalhes de infância e da história urbana que não voltarão. 

É preciso ter mais de 60 anos para entender todas as palavras e todas as reminiscências (v. algumas pistas no final). A alusão ao cronista Rubens Amador rendeu uma crônica que também sairá neste blogue, dentro de uns dias.


Onde estão as pessoas que frequentavam as praças, bancos faltando, pessoas sobrando? Onde está o carnaval cheirante a lança-perfume, enredada festa de serpentinas, num ar poluído e multicor de confetes? Constelações de pandorgas no ar.

Rótulo à venda no Mercado Livre
Moças, moças-mesmo, onde estais... e quando e onde o cachorro-quente pequeno e de mostarda escura foi parar? O guaraná Princesa, a cerveja Porco, refresco de groselha e limão, onde estão?

O corso da Rua Quinze, desfile na calçada, após o Capitólio soltar? Dormindo, roncando, no colo do pai, os mais antigos viram Iolanda, num tempo que vai.

A bola de gude, o bilboquê (bibiloquê, mais gostoso), o ioiô, o imba, o pião de fieira rodando na unha, o rouba-monte? E a paciência pacientemente carteada, em que você era o vitorioso e o derrotado de si mesmo.

Pastéis-de-santa-clara (v. receita)
Farinha de pilão e o próprio pilão, panela de barro, chaleira de ferro, ventosa de tirar furúnculo e fazer sangria. Pastéis-de-santa-clara (Dona Nilza ainda faz os melhores pastéis-de-santa-clara de Pelotas) e cuecas de saco branco.

Escarradeiras ao pé de gordas e fofas poltronas, de velhos gorduchos, usando polainas. Bigodões imensos, pontas enceradas, fios de bigode valendo avais e fianças. Gurizão-rapagão... almofadinha ou janota, olhando a moçoila, temendo a velhota.

Bondes, muitos bondes (meu caro amigo Rubens Amador), bonde aberto, bonde safety; sisudos fiscais batendo as tabuinhas nos dedos moleques de pingentes guris. Viagens de sono menino ao Parque, ao Porto, ao Carrossel. Antigamente nenê chupava trapinho de pano, recheado de goiabada. E o sonho de todos de ser motorneiro.

Carnaval em 1956, segundo o blogue Pelotas - Crônicas Existenciais
Missas em latim (ajudei muitas missas celebradas pelo grande e saudoso amigo D. Cláudio Colling, bispo de Passo Fundo e arcebispo metropolitano de Porto Alegre, quando tinha meus 13 anos de idade), ninguém entendendo, mas todos fingindo. E chegava-se a Deus e havia o diálogo.

Pai garantia e jurava a mocidez da filha; a filha ciente que o pai não tinha amante... que todos sabiam, mas ninguém falava.

Pelotas era Roma de Nero, queimando inteira, as noites de Pedro, Antônio e João, que mijava nas bergamotas xixi de açúcar. Inegavelmente, Pelotas mudou: física, econômica, social e politicamente.

Hélio Freitag
Diário da Manhã, 24-2-14


  • Veja o que significa Cuspir na escarradeira, e uma nota sobre a Guinness Cabeça de Porco.
  • Leia o artigo Carnaval da Rua Quinze, de Luiz Carlos Marques Pinheiro.
  • Assista a missa em latim (57 min) celebrada na igreja de Ibertioga (MG).
  • Dom João Cláudio Colling (1913-1992) foi o primeiro bispo da Diocese de Passo Fundo (1951-1981) e arcebispo de Porto Alegre de 1981 a 1991.
  • As "noites de Pedro, Antônio e João" são as dos santos de junho mais celebrados: Santo Antônio de Pádua (13), São João Batista (24), São Pedro e São Paulo (29).

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