A videolocadora Imaggem Televídeo, que há quatro anos apostava em filmes de boa qualidade artística e tinha várias joias do cinema europeu e latino-americano, fechou as portas este mês.
O ponto em rua movimentada (General Neto 639) era há tempos do mesmo dono, um professor aposentado do CEFET; esteve em outras mãos uns anos, também sem muito sucesso, e o proprietário havia decidido retomar o negócio. Ele vinha ampliando o acervo e optando pelos filmes mais seletos, aqueles que nas grandes locadoras só merecem um cantinho, junto com os documentários. Também havia títulos comerciais, musicais, infantis e até pornôs (numa pasta preta), mas a lei da selva foi mais forte.
O material passou agora, em grande parte, à Veja, a maior videolocadora de Pelotas (Gonçalves Chaves 1145 e General Osório 1288). No local, ficará uma vendedora de aquários (metáfora dos televisores).
Assim como os cinemas se ressentem com o aluguel caseiro de filmes, as locadoras em crise atribuem o mau negócio aos canais de satélite e cabo, à internet e à venda de DVDs (legal ou pirata).
O problema não ocorre somente no interior, onde já não existem salas de cinema. Até nas grandes cidades a locação de filmes evolui e se recicla. O próprio nome "videolocadora" já é coisa do passado, pois os vídeos (VHS - Video Home System) já desapareceram da maioria das locadoras (o que ninguém lamenta). Em Pelotas, ainda há alguns antigos em bom estado na Hobby Vídeo (Andrade Neves 2353).
Mas as pessoas ainda veem filmes e ainda é possível cativar clientes - com muita imaginação e talento comercial. O mais óbvio seria ampliar-se como videoclube, que é o princípio básico das locadoras. A maioria baixa os preços, mas ninguém pensa em exibir filmes grátis, servir pipoca e café na locadora, instalar jogos e internet, ou promover seminários e debates sobre cinema. Os comerciantes não são intelectuais. Quem vê caixa não vê poesia.
Talvez ao dono da Imaggem - um entusiasta do cinema mais do que um negociante - pudesse atribuir-se o traço contraposto: intelectuais não são comerciantes. Quem vê o coração, não lhe quer pôr um valor econômico.
Joari Reis, crítico de cinema (de pé, à esq.), foi o único que noticiou o fechamento da Imaggem, na sua coluna de domingo 17 de janeiro (leia).
Nos mesmos dias, o cineasta francês Eric Rohmer (abaixo à dir.) morria aos 89 anos de idade (veja notícia). A pronúncia em francês (ambas oxítonas): errík romér. Vários de seus filmes estavam disponíveis nesta locadora; por exemplo, "Conto de Verão (acima) e "O joelho de Claire" (abaixo à esq.).
Na cena inicial (vídeo abaixo) de "A colecionadora", os pés da protagonista "conversam" com a água, até que ela pára, intrigada, deixando o mar falando sozinho, para ouvir o distante ruído de um avião (anúncio indireto do segundo personagem do filme). Podemos ver também como o diretor se delicia com a anatomia da moça (atriz Haydée Politoff), nua e fragmentada como a personagem, e com as cores vivas de cada detalhe, fator importante pois La Collectionneuse (1967) é o primeiro filme em cores de Rohmer (veja crítica em inglês).
Se bem os dois fatos (na França e em Pelotas) não tenham tido influência mútua, a relação foi sugerida pelo professor Joari. A partir do dia 11, Rohmer viveria somente mediante suas obras, e elas não seriam mais vistas na Imaggem, pois também havia deixado de existir... Dois fins-da-linha para o cineasta; duas perdas para os cinéfilos pelotenses.
A irreparabilidade das falhas é uma ideia melancólica que alguns cinéfilos cultivam, desde que a decadência dos cinemas (as grandes salas; não o cinema como arte ou como indústria) nos impede ver os melhores filmes em tela gigante.
Mas com pensamentos lamentosos e saudosistas (variedade do sentimento de culpa), seguiremos asfixiando nosso prazer em ver filmes e nossa capacidade de gerar novas imagens.
Deixemos melhor legado às próximas gerações. Uma imagem morreu, mas surgirão muitas outras.
Imagens da web (3, 5-6), F. A. Vidal (1-2) e Roger-Picasa (4)
Um comentário:
Garotos tropicais com um loirinho era o melhot que eu vi...
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